Sou gotas de chuva

Hoje deu vontade de tomar café e pensar na vida. Deu vontade de sentir o gostinho que o tempo tem quando está chovendo, o dia está cinza e a janela de vidro é o palco perfeito para a dança das gotas d’água.

Deu vontade de sonhar, afundar-me em suspiros de imaginação repleto de salas com portas destrancadas quase em uma súplica para serem exploradas.

Deu vontade de percorrer mundos inteiramente novos, mágicos, construídos com ideias mirabolantes, onde todos somos o melhor que podemos e escolhemos ser.

Meu olhar perde-se em meio às gotas de chuva dando permissão à exploração fantástica. Entro por uma das portas e logo sinto raios de sol sobre mim, refletindo todas as cores do meu corpo. Sim, sou colorida. Nuanças de lilás, azul e amarelo misturam-se em minha pele que emana brilho para todos os lados. Sou como um cristal, com múltiplas superfícies que brincam sob a luz.

Em meu estado furta-cor, decido continuar com a investigação escolhendo outro ambiente.  E me vejo derreter. Imediatamente, desfaço-me em uma fluidez preguiçosa. Como música boa, que agradável e instantaneamente preenche todo o lugar onde é tocada, inicio um passeio deslizante e alcanço os vazios. Sou etérea, no todo me encontro.

Mais uma vez, escolho uma nova possibilidade de transformação. Outra porta. Logo refaço-me em um corpo, mas um corpo mutante. A cada movimento, texturas brincam e em mim se superpõem. Sou seda macia, luxuosa. No passo seguinte sou espinhos ferozes. Viro-me e já sou pelúcia felpuda, brincalhona. Corro em alegria e sou o metal mais gélido que existe.

No derradeiro suspiro, a fumacinha do café se esvai. Uma mensagem chega ao celular. É um alerta de que a cidade encontra-se em estado de emergência devido às chuvas torrenciais das últimas horas. Como gelatina escorregadia, sorvo o último gole da xícara e retorno ao meu estado natural.

Sou realidade enevoada.